5 de maio de 2017

O feminismo de Marie Curie

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Não se nasce feminista, torna-se pelas suas convicções e seus ideais.

Uma das questões mais problemáticas quando escrevo sobre indivíduos feministas ao longo da história do mundo, é a dificuldade das pessoas entenderem o motivo daquele individuo ser um feminista apesar dessa palavra não existir ou ter este contexto naquele momento, ou da pessoa não andar com uma camisa com os escritos ''I´m feminist'' (Sou feminista). Pois é, parece brincadeira mas algumas pessoas se prendem a isso para definir quem pode ou não ser chamado de feminista.

A filosofia feminista é diferente de outras filosofias, pois não foi uma criação de escritores e filósofos que escreveram uma teoria e resolveram chamá-la de feminismo e sim, trocando em miúdos, o nome foi dado a uma série de acontecimentos e indivíduos envolvendo direitos femininos ao longo dos séculos. Depois do ''boom'' que ocorreu na época das sufragetes o movimento se fortaleceu e em meados de 1940/50 outras vertentes apareceram.

Um dos grandes exemplos disso foi Marie Curie. Existem vários trabalhos relacionando ela ao feminismo e a forma como ela lidou com os percalços da sua época e mesmo assim muitos tendem a negar isso.

Marie Sklodowska era uma jovem polonesa, com poucas condições financeiras que havia migrado para a França, com o objetivo de doutorar-se em ciências na Sorbonne - as universidades polonesas não aceitavam mulheres. Marie devido ao seu casamento passou a ser chamada de Marie Curie.

Teve apoio de Lipmamm, Bérmont e outros que ajudaram a publicar e mostrar suas conclusões, o que era impossível fazer sozinha, pois, a Academia de Ciências não aceitava publicações de mulheres. O pronome ''nós'' excluía as mulheres, eram invisíveis e seus trabalhos esquecidos na História ou dado a outros homens.

Ao longo de suas pesquisas muitos cientistas como Becquerel tentaram contra-argumentar e colocar obstáculos em suas descobertas. Nesta mesma época um critico francês chamado Gustave Planche, escreveu a um jornal, apos ler algumas matérias sobre Marie, algo que era cristalizado na época: ''O papel da mulher é simplesmente o sexo e a reprodução''.

Porém as coisas não fluíram naturalmente e muitos criticavam e tentavam impedir os avanços de Marie. Um exemplo disso foi o primeiro Nobel dela, no qual até mesmo o seu professor tentava com a desculpa de dizer que ela era muito imatura impedir que ganhasse, mas depois de muita luta e com apoio de seu marido Pierre, eles foram premiados. Este Nobel fora dividido entre Becquerel e o ''casal Curie''. Apesar dos esforços de Pierre e de todos saberem que as pesquisas eram originarias de Marie e Pierre auxiliava, mesmo assim, era vista como uma ''auxiliadora''. E não foi a toa a invisibilidade das mulheres na história. Sendo Marie Curie uma das primeiras a se esquivar por ter tido a possibilidade de ser tratada como uma exceção, por ter recebido um Nobel.

A verdade é que Marie Curie precisou estar mais bem preparada, ser modesta, disciplinada e estóica. Essa foi a unica maneira que Curie achou para se aventurar nos ''trabalhos masculinos'' da época sem parecer querer afrontar diretamente os homens.

''Se uma mulher faz algo malfeito, é típico do seu sexo, de todas as mulheres (um caso só confirma a generalização universal de que todas fazem aquilo mal), mas, se uma fizer bem, é apenas exceção'' (Id.P.212 - Marie Curie)

Maria Curie praticava quase um jogo de xadrez com os seus oponentes, ao invés de atacá-los ela ''comia pelas beiradas'' a fim de chegar ao seu objetivo, a ciência. E a própria ciência faria o serviço de ser sua voz e abrir espaço para maior independência feminina no meio. Sendo assim, quanto mais Marie se movimentava em seu laboratório, mais mostra radioatividade e os rádio-elementos para o mundo, e, quanto mais as entidades são expostas, mais mostram Marie, a mulher cientista. ''Evolução a-paralela, duplo-devir.'' (Deleuze e Guattari)

Naquela época, graças a Curie, fez-se variar o sentido dos dualismos masculino/feminino e razão/coração em uma sociedade onde a desigualdade de gênero era um fetiche sexista e discriminatório, afinal não poderia existir no ventre dos ''homens da ciência'' a idéia de que uma mulher pudesse realizar com perfeição e profissionalismo o mesmo trabalho que um homem na ciência. Contudo uma mulher conquistou seu espaço e de uma forma que eles não esperavam.

Esse jogo de forças garantiu a Marie Curie uma posição de exceção diante da comunidade cientifica, de uma maneira que ser mulher não se tornasse um vetor de bloqueio, ao contrario, uma ''linha de fuga'' para a possibilidade de produzir com objetividade. É pela diferença que foi diferindo a partir do laboratório, que Marie apresentou a existência de um determinado ser (a radioatividade), que passou a ser a razão pela qual existe qualquer diferença. Em suma, quanto mais a radioatividade era firmada ontologicamente, mais o gênero era ignorado e mais a ''senhorita Curie'' se tornava Madame Curie.

Marie Curie, fez as relações de poder gaguejarem, colocando em movimento toda uma outra-cosmopolitica (Stengers - 1997): homens, mulheres e coisas-em-si arrebatados a seu favor como adeptos de sua maior causa, a ciência.

Este foi o feminismo de Marie Curie, buscar o seu objetivo independente das barreiras colocadas em seu caminho mostrando ao mundo a capacidade das mulheres e o direito delas de serem cientistas.

Ser feminista não é seguir uma cartilha nem ser doutrinada. Ser feminista é torna-se responsável pelos ideais que defende e buscar o melhor caminho naquele momento para provar seu valor e sua capacidade diante do mundo. Ledo engano daqueles que acreditam que o feminismo para em plaquinhas, seios de fora e gritos. É muito mais do que isso.

Não se nasce feminista, apenas se é feminista. Pois ser feminista é buscar sua voz, sua liberdade e sua individualidade. Seguir seu caminho e conquistar seus objetivos quando querem lhe negar por ter nascido mulher. Você não precisa de placas nem ser ativista militante para ser feminista. E o ativismo de Marie Curie no contexto social que se encontrava foi o mais esperto de todos e por isso ela é um exemplo a ser seguido. Uma mulher excepcional.

Para maiores informações sobre a vida de Marie Curie e sua relação com o feminismo indico este documentário: https://youtu.be/WbGV2376Jh0

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