26 de abril de 2017

Feminista e cristã, pode?

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Apesar do termo feminismo só ter sido adotado por volta do séc.XVIII, é possível encontrar várias denúncias contra a opressão sofrida pelas mulheres anterior a isso, um exemplo disso é Cristina de Pisano (séc.XIV). Hoje, o feminismo se tornou mais amplo e plural em diversos aspectos, possuindo inclusive o segmento cristão. Ledo engano de quem acredita que o casamento de cristãs com o feminismo é novo. Repaginadas e com novas abordagens, poucas delas sabem que as pioneiras desse casamento foram as feministas Quakers do séc. XVIII. Ao longo do texto entenderão o motivo de ser possível ser feminista e cristã. Abordo o tema como uma estudiosa e pesquisadora, visto que apesar de ter nascido em uma família cristã e passado grande parte da minha vida como tal, não sou cristã.



O Feminismo


Não pretendo aprofundar-me sobre a ideologia e a pluralidade que a cerca, apenas expor os pontos básicos da mesma para que possamos dar continuidade ao tema foco da dissertação.
Com a pluralidade veio também partidos políticos, a atenção da mídia em busca de lucro e uma grande onda de fanatismo, extremismo e distorções. Com isso o feminismo acaba carregando uma carga muito negativa e de inicio assusta muitas pessoas. Muitas vezes carregadas de pré-conceito e de pouca informação, acabam comprando a ideia que aparece na mídia de uma minoria de feministas extremistas.
Mas ao passar dessa barreira, buscam informações a respeito e descobrem o quão plural e diversificado é. Descobrem que o real significado do feminismo é a busca pela liberdade da mulher.

Mary Wollstonecraff, considerada a pioneira do feminismo, dizia claramente não querer ter poder sobre os homens e sim sobre si mesma. A defesa de igualdade entre os gêneros não transpassava a diferença da biologia entre os mesmos. Por muitas décadas foi o desejo de ser vista como indivíduo e poder exercer plenamente seus direitos negativos (liberdade, propriedade e vida) que fomentou o feminismo.
O feminismo preconiza a liberdade da mulher. Sendo assim, mulheres são livres e tem o mesmo valor social do homem, pois ambos são indivíduos e seres humanos, portanto tendo os mesmos direitos e deveres em uma comunidade. Então apesar de se falar muito sobre equidade e igualdade, a bandeira principal é a liberdade.

De volta ao século XVIII: Feministas Quaker


Criado em 1652, pelo inglês George Fox, o movimento Quaker (Sociedade Religiosa de Amigos) pretendia ser a restauração da fé cristã original. Eles são conhecidos pela defesa do pacifismo, solidariedade, filantropia e da simplicidade, rejeitando qualquer organização clerical. Um dos aspectos mais surpreendentes dos Quaker eram suas opiniões com relação ao gênero e notáveis por prover a defesa da igualdade dos papeis das mulheres na tradição cristã da época. As opiniões dos quakers sempre foram consideradas progressistas, essa tendência deu fruto e motivou mulheres quakers que já eram abolicionistas a aderir ao movimento dos direitos das mulheres (feminismo).
As feministas quaker - muitas consideradas como mães do feminismo - foram de grande importante para o feminismo. Um exemplo disso foi a Declaração de 1848 Seneca Falls. Eram notáveis ativistas abolicionistas e feministas. Mulheres como por exemplo: Susan B. Anthony, Lucretia Mott, Richard Mott, Elizabeth Cady Stanton,Lucy Stone, Alice Paul, Harriet Tubman, Anna Elizabeth Dickison, Elizabeth Powell Bond, Isabella Ford, Hannah Friffitts, Anna Mary Howirr, Angelina Grimkè, Sarah Grimkè Elise M. Boulding, Myra Keen, Graceanna Lewis, Margaret Thorp, dentre outros.
A tradição dos quakers nos direitos das mulheres continuou nos séculos XX e XXI, com desempenho de grandes papeis em organizações que continuam a trabalhar em prol dos direitos das mulheres.

2017: Feminismo Cristão


Para poder abordar melhor o tema eu decidi não apenas observar, mas também interagir com mulheres que se rotulam como feministas cristãs atualmente. Simpáticas, solicitas e educadas eu descobri um ambiente nada hostil e com uma pluralidade de opiniões e vertentes nas quais não imaginava.
Hoje, feministas cristãs não são uma vertente e tão pouco pertence exclusivamente a uma. O que as une é o feminismo e o cristianismo, mas muitas são apolíticas e não tem uma vertente definida. As que tem, demonstram uma variedade de opiniões sobre vários temas.
O feminismo cristão é um aspecto do ideal feminista que visa o avanço e a compreensão da igualdade entre homens e mulheres moralmente, socialmente e espiritualmente a partir de uma perspectiva cristã.
Elas levantam temas sobre liberdade das mulheres e questões religiosas. A diversidade na forma com que abordam os assuntos pertinentes e exploram é interessante, principalmente para alguém de fora, como é o meu caso.
Um dos assuntos mais questionados quando se fala de cristianismo e feminismo, é o aborto. Todas que mantive contato tem unanimidade em dizer que são contra. São contra o aborto por princípios morais e de fé. O que difere entre elas, é na questão da proibição. Algumas entendem que não podem obrigar - via Estado - mulheres a não realizarem o aborto.
Uma vez li de uma moça que existe uma série de comportamentos que são entendidos como não adequados para cristãos, e nem por isso as pessoas devem lutar pela sua criminalização. Existe uma diferença entre pecado e crime, nem sempre o que é pecado é crime. Egoismo, mentira, traição são exemplos de pecado que não são crimes. A moça defendia que determinadas questões são mais abrangentes do que o cristianismo; é uma questão de contemplar todos os posicionamentos, preservando as crenças individuais de cada um.
O interessante é que muitas dessas moças - feministas cristãs - são mulheres extremamente ligadas a sua religiosidade, membros de comunidades religiosas e ativas na religião, mas entendem que ser feminista e ser cristã não é impor o feminismo no cristianismo e nem vice-versa e sim abordar questões femininas sobre uma visão de liberdade diante de doutrinas religiosas que por vezes foram deturpadas ao longo dos séculos e que fere mulheres que creem que devem ser submissas e aceitar qualquer conduta do seu parceiro pois fora educada dessa forma como se Deus assim o quisesse.

À luz da Bíblia


No inicio desse texto, comentei sobre o peso negativo que vem a palavra feminismo e pro cristão é ainda pior. Quando se busca nas mídias a palavra feminismo, em geral esta atrelado a mulheres nuas em frente de Igrejas esbravejando palavreados e por vezes fazendo gestos obscenos. Isso faz com que, antes mesmo de conhecer, a pessoa já tenha ojeriza por se sentir afrontado ou agredido de alguma forma. Mas quando se esclarece melhor tudo que tange o feminismo, começa a ver claramente que nem tudo é o que aparenta ser no primeiro encontro, nem tudo é o que a mídia usa para vender.
Uma coisa que sem duvida ambas ideologias têm de igual é a enorme distorção realizada por indivíduos de má fé. Enquanto o feminismo contemporâneo é inundado por extremismos e fanatismo, o ideal cristão por intermédio de religiões veio ao longo dos séculos sendo modificado.
O princípio central do cristianismo é a crença em Jesus como filho de Deus e Salvador da Humanidade. Recentemente assisti um pastor no youtube, e ele falava sobre a diferença entre cristianismo e religião. Buscando mais sobre esse assunto, relembrei minhas aulas de catecismo e acabei me deparando com um trecho de Mateus - Capítulo 23¹, em que Jesus, na última semana de sua vida terrena, cansado de tantas polêmicas e discussões com os lideres religiosos da época se pronunciou de forma enfática.

O ponto mais importante que Jesus alega é que os fariseus e escribas conhecem a Lei de Moisés, mas não praticam suas obras. São pessoas que buscam títulos de mestres e doutores, que querem apenas aparecer. As obras quando praticadas por eles são para serem vistas pelos homens.

''Os fariseus fazem regras e elaboram novas regras a partir dos rabinos no qual normas que Deus nunca criou.'' Mateus 23:4

O motivo que me levou a citar tal capitulo é a facilidade em que as pessoas tem de impor regras a vida dos outros e de distorcer muitas vezes o que esta escrito. Ora, para quem crê e tem fé no cristianismo, acredita que Deus fez o homem (ser humano) a sua imagem e semelhança, sendo assim Deus criou o homem e a mulher com o mesmo valor perante ele. Então como diante disso, acreditar que a mulher é submissa ao homem?

Quando o assunto é este, muitos citam trechos nos quais falam que o homem é a cabeça da mulher. Porém quando se observa o significado da palavra no idioma original, podemos concluir que os trechos citados da Bíblia não afirma que o homem tem autoridade sobre a mulher. A Bíblia não afirma que o homem deve liderar a mulher. A palavra ''cabeça'' no grego é uma metáfora cujo sentido varia de acordo com o contexto.

''E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.'' Gn1:27

Em várias passagens do Novo Testamento, Jesus é citado como cabeça da Igreja. Isso tem vários significados, como por exemplo Jesus sendo a fonte de vida, ajudando a igreja a se desenvolver, a salvar, amar e doar a si mesmo por ela ou ajuda-la a crescer através do seu amor. Ou seja, Jesus é a cabeça pois dá vida, ajuda no seu desenvolvimento, salva, ama e doa a si mesmo. Em nenhuma dessas passagens, fala-se de autoridade, liderança ou submissão/superioridade.
A cultura da submissão da mulher se disseminou em diversos povos ao longo da história e a religião foi um dos mecanismos mais usados para implantar tais ideias de submissão distorcendo inclusive os seus escritos.
As primeiras feministas cristãs já apontavam distorções bíblicas e criticavam homens que haviam negligenciado conceitos bíblicos. Afirmavam que o registro da criação da mulher no Gênesis foi interpretado de maneira equivocada para se ensinar que ''Deus impôs a inferioridade e a sujeição'' da mulher. Teólogos foram acusados pelas primeiras feministas de ignorarem as passagens bíblicas que dão suporte à igualdade feminina, torcendo-as para o seu próprio interesse.
Jesus em Mateus - 23, deixa claro o intuito do homem de usar a religião para manipular os fieis, os fazendo crer em regras que não vieram de Deus.
Em sua história, Jesus viveu em uma região sexista, porém o mesmo era totalmente contrário à desvalorização da mulher. Relatos de Marta e Maria, são exemplos disso. Ou seja, de acordo com a história, Jesus reconhece, contra uma religião que defendia a submissão da mulher, que as mesmas têm os mesmos direitos.
A história de Jesus com a questão das mulheres é tão forte e profunda que até mesmo o apóstolo Paulo afirmou que em Cristo não há homem nem mulher. Indicando que todos somos seres humanos, indivíduos feitos a imagem e semelhança do criador e que somos iguais perante o mesmo.

"Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus''. Gál 3:28
Muito se discute sobre as interpretações da bíblia e existem muitas interpretações. Mas o fato é que o uso desses trechos como argumento contrario à mulheres cristãs serem feministas, é um equivoco. Pois encontramos vários que corroboram as mesmas.


As Feministas cristãs


As feministas cristãs do inicio da década de 60 defendiam que não existia diferença entre homem e mulher. Argumentavam que a mulher deveria ser posta em posições de plena liderança dentro da casa e na Igreja, em igualdade com os homens. O primeiro passo dessas feministas foi a ordenação das mulheres para os oficios eclesiásticos.
Diferentes das feministas cristãs da Segunda Onda do feminismo, a maioria feministas atuais divergem sobre isso e sua maioria não defende tal atitude. Elas acreditam em pautar seu movimento em questões do dia-a-dia da mulher, em violências e agressões dentro de núcleos religiosos endossados por essa ideia de submissão entranhada na cultura religiosa.

Para as cristãs, existe uma série de comportamentos que não são adequados. Os direitos negativos (liberdade, propriedade e vida) são questões importantes em todas as comunidades, principalmente religiosas. É uma questão de defender o indivíduo, contemplar todos os posicionamentos mas preservar cada um a sua crença, a sua moral.

As cristãs podem defender sua fé e trazer os ensinamentos bíblicos para sua vida sem que para isso negue a liberdade e imponha sua fé a outros indivíduos. 

Embora sua postura diante de determinados temas seja orientada pela sua fé, haverão posturas diferentes, orientadas por outros fatores que podem convergir ou não com o cristianismo, mas que precisam ser debatidos e respeitados.

O fato é que elas sempre existiram na história do mundo e do feminismo. Seja as consideradas mães do feminismo com suas ideias individualistas e sua luta liberal, seja as da segunda onda do feminismo com uma aparência mais radical ou até mesmo as atuais feministas, com uma nova roupagem e abordagem ao tema central.


Uma analise pessoal do feminismo cristão atual


As moças nas quais tive contato têm em comum a busca por liberdade, elas são de fato idealistas. Mas por mais idealistas que elas sejam, muitas não tem a real noção do que defendem, são como bebês engatinhando em uma guerra entre anti-feministas x feministas. Muitas se colocam de esquerda, a maioria diz ter simpatia com as vertentes radicais e interseccionais e até mesmo com o feminismo negro. 

Se existe um feminismo cristão? Claro que existe, e aqui esta uma ateia ex-católica que fez primeira comunhão falando. Não que minha crença ou não crença seja algo que deva ser levado em consideração quando o assunto é sobre teoria, história e razão. Mas eu poderia negar o feminismo cristão pelo simples fato de discordar religiosamente das moças, e não o faço. Não o faço, pois eu busco expor o feminismo sem distorções, abraçando a verdade em busca de conhecimento.

Elas mostram que podem manter sua fé cristã e defender seus direitos e sua liberdade em uma comunidade sexista. O fato é que elas tem todo direito de se posicionarem e usar trechos distorcidos da Bíblia não mudará o fato de que elas podem sim, ser feministas. 

Ser feminista não é abraçar tudo que uma vertente diz, ser feminista é ser livre, ter voz e autonomia para definir o que quer da sua vida. Seja ser dona de casa ou uma empresaria, seja ser mãe ou a eterna filha, não importa. O importante é você viver como quiser e escolher seus caminhos. Ser feminista é entender que antes de sermos mulheres, mães, filhas, irmãs, amigas, esposas, nós somos indivíduos.




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